quinta-feira, 7 de outubro de 2010

2. Eu gostava de viver na solidão enquanto você, também, gostava. Não me importava que você não fosse meu porque, de certa forma, éramos um do outro; éramos um do outro de uma maneira inventada, sem medida exata, mas era, e o fato de ser me deixava completa. Digo sem medo que viveria bem, seguiria bem – te seguiria – se você voltasse a viver naquele tempo de amor que a gente começou a descobrir, o amor nosso. Você pode dizer agora que não foi nada disso, que eu não tenho discernimento, mas a verdade é que você teve medo. Eu te encantei não foi? Me viu como feiticeira dançando nua nas brumas de uma alvorada distante dos sonhos que você tinha quando mais novo. Ou não? Pode não ter sido e eu, na esperança de buscar alguma verdade na nossa realidade forjada, – na esperança de que ela tenha sido forjada por nós dois! – criei uma história lendária para doer menos, deixar mais bonito, fazer acreditar que o nosso amor, acreditar que o nosso amor foi lindo – doloroso e lindo, como os amores de verdade. Mas, o que eu sei sobre o amor? Já pensei muitas vezes que ele me fosse intrínseco mas, a medida que o tempo desliza sobre meus dedos, chego quase a tocar nessa sensação de que amor nunca tive, senti ou, até mesmo – por que não? – nunca recebi. Você deve estar rindo da minha cara, repassando mentalmente todas aquelas frases de intensidade sobre o amor ser como flor e sangue, pétala e espinho, construído, algo que não se oferece. Acredito que você nunca tenha entendido realmente o que eu queria dizer com “pensei que você estivesse me oferecendo o amor que eu tanto queria”. Oferecer é dar de graça, é dar inteiro, é dar sem esperar, é construir a partir do pequeno gesto. E foram tantos pequenos gestos, promessas delicadas, você me subestimando e eu, como sempre, alto estimando esse seu encanto de mago, de felino, de homem. Tudo bem, eu tento me lembrar da lição dos arcanos. Não era para ser – você tem morada, por mais que afirme que não cria raízes. A gente sempre cria, cria raízes. E é por isso que a gente sempre volta, mesmo que tudo tenha mudado de lugar. A gente volta sim, você voltou – não pra mim. Mentira. Voltou para mim uma vez. Mas a volta que vale é a do para sempre. Sim, eu sei, bem conto de fadas toda essa minha ladainha. Mas é como vejo as coisas. E essa volta do para sempre persegue os milhares de anos que ainda não existem e os que já existiram e os que estão existindo. Entende agora por que eu queria tanto você? Queria ter a sua vida do para sempre, rodar nos espirais e voltar para o mesmo lar. Até me surpreendo com a vontade de submisssão que me envolve o corpo – não é perversão não, é sentimento. Submissão de não enxergar o que pode corroer, só para, assim, ser completo sempre.

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