Em um dia normal, desses de calor e passarinhos voando alegremente como se não tivessem mais nada a fazer, ele, como sempre, acendeu seu cigarro. Com o olhar vago, repassou todos os seus afazeres: cigarro, café, café, cigarro, jornal, andar, praça, cigarro, cigarro, cigarro, café, cigarro, cigarro, cigarr, cigar, ciga, cig...É, a agenda estava completa. Não teria espaço para visitar sua família ou os amigos que havia perdido ao longo dos anos. Tornara-se um velho rabugento, dando-se conta do buraco em que estava caindo.
Para alguns, cair gradativamente, é um dos maiores prazeres. Para outros, uma desculpa para tomar Prozac. Para ele, acho que uma mistura dos dois - embora tenha parado com o Prozac devido à um impulso natural no qual, também, eliminou as carnes das suas principais refeições, levando-o, posteriormente, a não fazer praticamente nenhuma.
Depois dos primeiros cigarros e das xícaras de café, foi comprar o jornal em uma banca há três quadras da sua casa. Seu sedentarismo acumulado com os anos não permitia andar muito mais que aquilo. Ao lado, havia uma praça semi abandonada e, na outra ponta, uma padaria mequetrefe, na qual, após ler o jornal, iria para tomar um café morno e doce - talvez mais doce por não estar na temperatura adequada.
Sua cabeça manipulava as experiências do presente. A padaria do seu Jair era transformada por ele em um café portenho, onde poderia tomar um expresso e comer facturas deliciosas. Sua casa, de paredes descascadas, inúmeras goteiras nos períodos de chuva, bordas mofadas, era como o sonho de um esteta. Dedicado aos gostos refinados e à arte, não poderia ser diferente.
Na esquizofrenia do seu seu dia, tudo estava intacto. Exceto as ruinas do seu passado.
Obrigado por se interessar pela minha biografia!
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