Escutou no rádio uma canção que não lhe era familiar. Tentou aos poucos decorar fragmentos, acordes, timbres, até assimilar como um todo; da poética à parte técnica. Não era bom instrumentista; entretanto, de uma percepção auditiva invejável. Reconhecia pessoas por vozes, como um cego na multidão, e as escutava a uma distância que os detentores de segredos sentiam-se acuados.
Cantarolando, seguiu seu caminho previsível pelas ruas que davam no trabalho. E sentindo - fragmentos, acordes, timbres - percebeu em que acinzentada paleta estava sua vida. Quem sabe um dia pudesse viver e sentir por ele mesmo, pensou.
Decepcionando com a sua desilusão, que antes não atrapalhava de tão adormecida, esqueceu-se do bueiro óbvio da Rua do Vidigal.
Caiu, morreu e não lhe sobraram, ao menos, desejos nem migalhas.
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