sábado, 31 de agosto de 2013

A caixa dos esquecimentos

Agosto

            Agosto sempre fora o mês do desassossego. Ele atravessava a vida das pessoas com um descomedido peso, embora aparentasse leve brisa. Era possível sentir que, no fundo, todos ansiavam as boas novas floridas de setembro. Em Sempre-viva, o cheiro de terra era forte e o pó da estrada se levantava facilmente com o trânsito dos carros. Era domingo, o dia anunciava e ardia, nos pequenos detalhes, que algo grande iria acontecer. Valentina passeava pela cidade ansiosa pelo encontro que teria com Vitório. Ele demorava a chegar mas ela - na tentativa de consolo e fomento de esperança - falava repetidamente que era o ônibus, só podia ser; ele deve ter quebrado na estrada, essas coisas acontecem. Durante a tarde, o sol, que até então ardia de terra, foi se desvanecendo e dando lugar às nuvens carregas de um azul acinzentado, que tomava conta do amplo céu. A distância de Ypês à cidade de Sempre-viva era apenas de 47 minutos – Valentina havia contado certa vez que foi encontrar Vitório na rodoviária. Já haviam se passado três horas desde o momento que Vitório deveria ter saído de Ypês. As nuvens carregadas de azul continuavam a ocupar o céu. O vento invadiu a cidade, balançando fortemente todas as árvores da grande avenida. Valentina olhava todo esse espetáculo da natureza com medo e excitação – era essa a sua reação em meio a tempestades e à ruas desertas e escuras. As folhas caíam das árvores, girando em uma violenta espiral até que pequenas pedras de gelo começaram a cair. Elas partiam-se em dois, três pequenos pedaços ao irem de encontro ao chão de paralelepípedos. Valentina se escondeu em uma pequena garagem que estava aberta. Ela era pintada de um laranja desbotado, com alguns sinais de infiltração em um dos cantos superiores. Havia, também, algumas teias de aranha tecidas com o maior dos zelos. As pedras começaram a cair mais e mais, e faziam grande estardalhaço naquela tarde vazia de agosto. De repente, toda excitação foi convertida em medo, apenas. Um medo que parecia preencher aquela garagem laranja, e até mesmo aquela enorme avenida. Ele não viria, ela pressentia. Não viria. Valentina havia sonhado com essa possibilidade três noites seguidas. No primeiro sonho, eles estavam em uma sala completamente branca, que possuía como móveis apenas um sofá de três lugares, igualmente branco. Valentina falava com Vitório, entretanto, ele parecia não escutar. Ela, na tentativa de verter a atenção dele para o que ela dizia, foi com suas mãos lívidas e frias até o rosto dele, de maneira que cada palma da mão atingisse as faces do homem que estava imóvel a sua frente. Todavia, ela foi surpreendida com a impossibilidade de concretizar sua ação: era como se Vitório estivesse envolto por uma caixa de vidro. Acordou para a realidade com seus próprios gritos produzidos no outro mundo. O segundo sonho foi um tanto cruel, também. Valentina subia as escadas que davam no apartamento de Vitório. Ela estava eufórica para contar a ele as novidades do seu dia: havia ganhado duas passagens para o sul do país, e queria levá-lo como acompanhante. Já havia planejado mentalmente toda a viagem, traçado inúmeros roteiros que agradassem a ambos. Quando chegou à porta, percebeu que ela estava apenas encostada. Ao entrar no apartamento viu que ele estava completamente vazio. Havia apenas, no chão da sala, um bilhete que dizia assim fui embora por não te amar. No terceiro sonho, ela estava em seu quarto vendo um álbum de fotografias. Ele era de um verde musgo, com as pontas desgastadas, mostrando o bege do material que o compunha. Valentina notou que o álbum, até então completo, estava com alguns espaços vazios. Procurou uma foto dos dois, para colocar no porta-retrato que havia comprado, mas já não havia foto alguma. Sentada em um canto da garagem, recordou-se dos sonhos e começou a chorar.

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