sábado, 18 de abril de 2015

Viajar é sempre para dentro

Encontrou em uma sacola plástica vários envelopes e alguns papéis avulsos. Ao contrário do que havia pensado em um primeiro instante, naquela sacola plástica não estavam contas de luz, recibos de aluguel ou notas fiscais de algum produto, mas cartas que seu pai havia recebido durante a juventude. A princípio ficou receosa se deveria adentrar naquele universo íntimo que considerava a troca de palavras. Ou melhor, invadir aquele universo. As palavras trocadas na narrativa das cartas são tessituras de um fio tão visceral, que qualquer intromissão poderia ser considerada uma violação da alma. “A tua alma é o mundo inteiro” foi o que encontrou escrito em uma das cartas, esmaecida pelo tempo e pela vida. O verso ecoou em sua cabeça por anos e foi a engrenagem fundamental na movimentação do seu corpo pelos hemisférios e atrais. Viajou sete vezes pelo mundo e, em cada uma das vezes, se emocionou com as paisagens novas e antigas. Conheceu as diversas combinações de cor que somente o céu de maio poderia proporcionar. Sentiu a textura de diversas formas de vida, como o aveludado das folhas verdes, a aspereza do tronco de uma árvore, a maciez da crina de um cavalo. Sentiu escapar pelos seus dedos as águas de rios e cachoeiras. E guardou entre eles o salgado da água do mar. Cada uma de suas voltas se constituíam como uma tentativa de montar, como em um quebra cabeça, as peças soltas de sua alma. De fixar em seu corpo aquilo que é essencialmente libertário. A sensação de incompletude, de certa forma, a atormentava. E por não conseguir identificar o âmago de seu problema, resolveu buscar no mundo seus pedaços dispersos. Ao regressar à sua casa pela sétima vez, descobriu que não precisava viajar o mundo para encontrar a alma e a paz que julgava lhe faltar. Mas também descobriu que só poderia chegar a essa conclusão depois de conhecê-lo. Porque viajar é sempre para dentro.

3 comentários:

  1. Ah! coração enternece lendo esse lindo texto. Viagem pelas irrigações de veia poética, amamentadas por puro amor.

    Sidarta, de Herman Hesse... Algo que me vem à cabeça após esta viagem.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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