Dizem que para tudo na
vida existe hora certa. Felizmente, só funciono com atrasos.
Ela entrou na sala como
se somente ela existisse e por ali caminhasse. Ignorava a existência dos
objetos. E caso alguma pessoa cruzasse seu caminho, lançava olhares com uma
fisionomia séria.
- É metida – quase todos
diziam.
Observei aquela cena
como se fosse uma película de Truffaut. Com atenção. Admiração. Como eu queria
aquele andar. Sou uma pessoa distraída, de pouca ação e muito sono. Desses que
dormem 12 horas e passam as outras doze reclamando que o sono não cessa. É
assim que me vejo. E meus amigos também.
- Ele é burro – quase todos
diziam.
Ele entrava nos lugares
como se fosse destruir cada objeto frágil da mesa. Sua camiseta desgastada e
com pasta de dente denunciava que ela alguma vez tivesse adquirido a função de
pijama. Aquela fisionomia de câmera lenta me impressionava. Como um Godard.
- Um café – disse Ela.
- Um suco – disse Ele.
Disseram os dois
juntos. Ela, enquanto remexia sua bolsa, com as unhas pintadas impecavelmente,
procurando seu maço de cigarros. Era Camel. Ele, se sentindo um infantil, se
flagelando mentalmente por não ter pedido um café. Ou um wiskhy. E buscando na bolsa
seu moleskine dos Beatles, na tentativa de parecer um pouco interessante.
- Vai que ela gosta de
rock – pensava Ele.
- Gosta? – perguntou Ela.
- De Beatles? –
perguntou ele, incrédulo da sua genialidade.
- De suco verde.
- Ah, sim. Na verdade,
estou provando agora. – disse ele meio ruborizado.
- Eu prefiro The
Monkies.
- Fuma? – disse ela,
meio intocável.
- Às vezes. Precisa de
fogo?
- Por favor.
Na verdade, não gostava
nem um pouco de cigarro. Meu isqueiro foi presente de uma amiga e, por isso, carregava
na bolsa da faculdade.
Quem pergunta ‘você
gosta de suco verde?’. E, pior, que homem com barba na cara não fuma? Parece
ser menino bem criado. Tímido.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
Os dois se olharam com
um risinho amarelo de canto de boca.
- Por que ele não
conversa sobre algo comigo? – pensou ela.
- Será que eu me
levanto? – pensou ele.
Silêncio.
Outros olhares
cruzados.
Ele até que é
bonitinho. Se pedir meu número de celular, passo. Quem prefere The Monkies a
the Beatles? Não acredito que ele acreditou nisso.
- Era mentira – disse ela
olhando para a fumaça do cigarro.
- O que?
- Eu gosto de Beatles –
e mostrou a tatuagem de um submarino amarelo na nuca. – Fiz semana passada.
- Legal. – disse ele,
sem saber como se comportar diante de uma mulher.
Ele já estava atrasado
há 40 minutos para a aula de Cinema e Política. E ficaria mais. Só funcionava
com atrasos.
Ela estava fugindo.
Fugindo das pessoas a vida inteira. E não fugiria mais. Só funcionava com hora
certa.
Silêncio.
O primeiro
silêncio não constrangedor.
Sorriso.
O primeiro
sorriso. De muitos. E entre muitos choros também.
Eles se casaram.
No outono. Quem se
atrasou foi ele. Mas na hora certa.
Sem palavras.
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