quarta-feira, 21 de março de 2012

Na hora certa.


Dizem que para tudo na vida existe hora certa. Felizmente, só funciono com atrasos.
Ela entrou na sala como se somente ela existisse e por ali caminhasse. Ignorava a existência dos objetos. E caso alguma pessoa cruzasse seu caminho, lançava olhares com uma fisionomia séria.

- É metida – quase todos diziam.

Observei aquela cena como se fosse uma película de Truffaut. Com atenção. Admiração. Como eu queria aquele andar. Sou uma pessoa distraída, de pouca ação e muito sono. Desses que dormem 12 horas e passam as outras doze reclamando que o sono não cessa. É assim que me vejo. E meus amigos também.

- Ele é burro – quase todos diziam.

Ele entrava nos lugares como se fosse destruir cada objeto frágil da mesa. Sua camiseta desgastada e com pasta de dente denunciava que ela alguma vez tivesse adquirido a função de pijama. Aquela fisionomia de câmera lenta me impressionava. Como um Godard.

- Um café – disse Ela.
- Um suco – disse Ele.

Disseram os dois juntos. Ela, enquanto remexia sua bolsa, com as unhas pintadas impecavelmente, procurando seu maço de cigarros. Era Camel. Ele, se sentindo um infantil, se flagelando mentalmente por não ter pedido um café. Ou um wiskhy. E buscando na bolsa seu moleskine dos Beatles, na tentativa de parecer um pouco interessante.

- Vai que ela gosta de rock – pensava Ele.
- Gosta? – perguntou Ela.
- De Beatles? – perguntou ele, incrédulo da sua genialidade.
- De suco verde.
- Ah, sim. Na verdade, estou provando agora. – disse ele meio ruborizado.
- Eu prefiro The Monkies.
- Fuma? – disse ela, meio intocável.
- Às vezes. Precisa de fogo?
- Por favor.

Na verdade, não gostava nem um pouco de cigarro. Meu isqueiro foi presente de uma amiga e, por isso, carregava na bolsa da faculdade.

Quem pergunta ‘você gosta de suco verde?’. E, pior, que homem com barba na cara não fuma? Parece ser menino bem criado. Tímido.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Os dois se olharam com um risinho amarelo de canto de boca.

- Por que ele não conversa sobre algo comigo? – pensou ela.
- Será que eu me levanto? – pensou ele.

Silêncio.

Outros olhares cruzados.

Ele até que é bonitinho. Se pedir meu número de celular, passo. Quem prefere The Monkies a the Beatles? Não acredito que ele acreditou nisso.

- Era mentira – disse ela olhando para a fumaça do cigarro.
- O que?
- Eu gosto de Beatles – e mostrou a tatuagem de um submarino amarelo na nuca. – Fiz semana passada.
- Legal. – disse ele, sem saber como se comportar diante de uma mulher.

Ele já estava atrasado há 40 minutos para a aula de Cinema e Política. E ficaria mais. Só funcionava com atrasos.

Ela estava fugindo. Fugindo das pessoas a vida inteira. E não fugiria mais. Só funcionava com hora certa.

Silêncio.
O primeiro silêncio não constrangedor.

Sorriso. 
O primeiro sorriso. De muitos. E entre muitos choros também.

Eles se casaram.
No outono. Quem se atrasou foi ele. Mas na hora certa.



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