segunda-feira, 16 de abril de 2012

retrato

Eu, que abro meu coração de tempos em tempos, fui obrigada a me curvar, como se a maior das dores se abatesse sob meu corpo cheio e, ao mesmo tempo, frágil. Depois que se transcreve a alma em um lençol branco, jamais usado, a gente acaba por se sentir roubada. Como se publicassem as informações mais íntimas em um jornal barato. Transgredida. Violada. Algumas vezes acho que recuperar alma é tentativa sem retorno. Que o coração, uma vez partido, não se cola as partes. Que um porre e férias, são só desculpinhas de quem não conhece Caio Fernando Abreu. Algumas vezes também acredito que o amor é sempre possível e que o coração se renova para as desventuras seguintes. E por que não um felizes para sempre? Mas quando a idade com suas palmas calejadas dá leves tapinhas nas costas, eu me sinto como uma criança sonhando com o que não se pode ter. E talvez seja bem essa a verdade. Quando a gente sonha, não mede as distâncias que aproximam ou afastam o que se quer. O problema de ser calejada pela vida: a racionalização dos sonhos. De repente, me tornei adulta. Parafraseando Cecília Meireles, só que de uma maneira contrária, em que espelho ficou perdida a minha infância?


Retrato - Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?




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